Este blog está relacionado aos diversos projetos centrados na diversidade e pluralidade étnico-racial que desenvolvemos, sempre de forma coletiva e colaborativa, nas instituições educacionais e educativas onde atuamos como EDUCADOR, seja como professor, coordenador de núcleo educacional, assistente de diretor de escola ou diretor de escola.

Pois, consideramos de extrema importância, desde o início e durante todo o processo educacional, a proposição acerca da questão da IDENTIDADE, pois penso que o país e a sociedade, como um todo, só tem a ganhar com pessoas conscientes e bem resolvidas nesse contexto.

Acredito que esta FERRAMENTA, com os seus conteúdos e informações (textos, imagens, atividades entre outros), nos possibilitará acessar informações relativas ao que há de africano no Brasil, assim como referente ao continente africano, tão vasto e múltiplo, que pouco conhecemos aqui no Brasil.

Nos possibilitará também, valorizarmos a diversidade étnico-cultural, étnico-racial, a partir do debate, reflexão e estímulo a valores e comportamentos éticos como o amor, a amizade, o respeito, a solidariedade e a justiça, de forma que a todo o momento possamos nos posicionar contra qualquer forma de intolerância, e especificamente nos colocando contra todo o tipo de discriminação racial e a favor de práticas antirracistas.

15 março 2010

AÇÃO AFIRMATIVA (2)

Continuação da entrevista exclusiva à Agência Carta Maior com o professor Hélio Santos:
As mulheres, os deficientes e até mesmo os gordos, os “feios”, aqueles que fogem de um padrão de estética imposto pela mídia também sofrem preconceito no mercado de trabalho. Por que, então, os negros deveriam ter privilégio sobre os outros excluídos?
Usar a expressão excluídos para os outros, no Brasil, pelo menos, me soa um pouco forte. Eu não tenho a menor dúvida de que temos necessidade de políticas específicas para a mulher no Brasil, apesar dos avanços. Mas se a gente for hierarquizar aqueles que têm dificuldade, há um estudo que coloca a renda média nesta ordem decrescente: homem branco, mulher branca, homem negro e, por último, mulher negra. Eu gostaria que a mulher branca não sofresse esse prejuízo em relação ao homem branco, mas eu estou hierarquizando as dificuldades. Ela não está tendo, injustamente, um reconhecimento no patamar que ela deveria ter, mas ela não está vetada como os negros. Você pode imaginar, por exemplo, o preço que uma mulher engenheira pagaria por ser negra num país o qual todos os estudos denunciam ser velada e sofisticadamente racista? No Brasil, nascer branco é um passaporte que dá algumas vantagens em relação aos outros. Além disso, já há políticas de cotas para deficientes em concursos, para mulheres em sindicatos e eleições...As primeiras políticas de ação afirmativa no Brasil foram dirigidas a europeus que vinham para cá na condição de imigrantes. Alguns conseguiram terras, em vários pólos de desenvolvimento receberam recursos. E, na minha opinião, receberam com razão. Eram pessoas que chegavam aqui, não dominavam o idioma português, vinham para colonizar o Brasil, ocupar o espaço. O Estado investiu nelas. Foi importante fazer isso com os alemães, com os poloneses. O que acho um escândalo é o mesmo não ter sido feito com os negros quando houve a abolição. E quando se fala, agora, em uma política ainda muito modesta de ressarcimento, a reação da sociedade, especialmente da mídia, é muito ruim.
Em um processo de vestibular ou num concurso público o que exclui, teoricamente, é a capacidade intelectual, que não depende de raça, mas de oportunidades de estudo. Então, por que estabelecer cotas na universidade? O problema não é anterior?
Evidentemente que a esmagadora maioria da população negra é semi-alfabetizada. Se considerar a população negra pobre, em grande medida ela quer comida, calçado, casa. É uma população que não está pensando em vestibular. Mas há uma parcela, estudantes negros que têm dificuldade de entrar na universidade pelo processo que aparentemente é do mérito. Há sempre três argumentos contra as cotas nas universidades: que o que conta é o mérito, que não cabe à universidade resolver os problemas sociais e que o que impede a população negra de chegar á universidade é a baixa qualidade do ensino público. Vamos discutir o que é mérito. Imagine uma moça que mora no bairro dos Jardins e com três anos já estudava inglês, tinha computador, motorista, alimentação, auto-estima, carinho, estudou nas melhores escolas, fazia natação, pólo, bom cursinho...com 17 anos concluiu o colegial e vai tentar o vestibular de Medicina da USP. Agora vamos imaginar uma menina negra, pobre, lá de Guaianazes ou de Bangu, que com oito ou 10 anos já trabalhava para ajudar a mãe, o pai evadiu cedo por causa dessa estrutura social niilista, sua é auto-estima rebaixada, convive com a violência. Essa menina, que nunca teve nada, é uma flor do pântano que com 17 anos conclui o colegial numa escola da periferia. Aí você coloca as duas lado a lado e diz que são candidatas e vamos ver quem tem mais mérito. Não há como condenar a menina dos Jardins, cujos pais fizeram muito bem em investir nela. O absurdo é dizer que uma tem mérito e a outra não tem. O que é mérito na sociedade brasileira? Nas universidades temos sempre a mesma clientela que supomos ter mérito. Eu questiono esse mérito. Quanto ao argumento de que não caibo à universidade resolver os problemas sociais, eu digo que foi a universidade brasileira que produziu esse país que conhecemos, com a maior concentração de renda do planeta. Esta elite que vai para as universidades públicas, que está dirigindo o país no campo político, empresarial, na mídia, produz dois Brasis: um rico, que pode ser confundido com a Bélgica ou com a Holanda, e um Brasil anacrônico. Há um componente de injustiça profundo. Por fim, quanto à baixa qualidade do ensino público, sabemos que a escola pública é muito ruim, enquanto a escola privada é de excelência. Por isso, as políticas de ação afirmativa devem selecionar os melhores daquele segmento a partir de parâmetros mínimos. Os que vêm da escola pública não têm notas altíssimas, mas têm condições de desenvolver o curso, isso que é importante. Ninguém pode entender que política de cotas significa colocar dentro da universidade pessoas sem condições de tocar o curso. Para algumas áreas, Medicina, Ita e outras universidades de ponta, eles terão que participar da seleção e ficar durante um tempo se adaptando para estar em condições de desenvolver o curso. O problema é que essas políticas não foram precedidas de um debate. É razoável todo este tumulto, estamos aprendendo, mas temos que definir e desenvolver um modelo apropriado. Se há distorções, precisam ser corrigidas.
As cotas para estudantes oriundos de escolas públicas não resolvem este problema?
Não, pois há componentes subjetivos. Há estudos que mostram o que se passa na sala de aula. O primeiro estudo, feito pela Fundação Carlos Chagas em meados dos anos 80, mostrou brancos e negros de mesma classe econômica, brancos e negros – era impressionante a quantidade de vezes que os negros repetiam, abandonavam a escola e retornavam e evadiam. Isso está ligado àquela estrutura niilista, de auto-estima rebaixada, de não ter a educação como referência importante na vida, de famílias desestruturadas. Em uma família negra de classe média baixa com cinco filhos, nenhum vai à universidade. Em uma família branca, dois ou três estão na universidade, às vezes todos, até mesmo em universidade privada, noturna. O isso significa? Que há dificuldades verdadeiras. Quem quiser trabalhar com esta temática terá que estar pronto para investir na psicologia social. Esse discurso classista, ideológico que nós tanto gostamos é insuficiente para explicar isso.
As políticas de cotas também são chamadas de políticas de discriminação positiva. O próprio nome já não indica a perpetuação da diferença?
A verdade é que já há discriminação, só que é negativa e ninguém questiona. Eu sou a favor da redução da cota de 100% para brancos que existe na sociedade brasileira. Há cotas para as quais nunca houve leis e ninguém questiona. Um exemplo é a cota de 100% para diplomatas no Itamaraty. São todos brancos. O curso de Medicina da USP é todo amarelo e branco, não há negros. Como é que você quebra essas cotas que foram inventadas pela nossa estrutura social, apartheísta, excludente? É possível tratar todos igualmente? Quando você trata a todos, inclusive os excluídos, igualmente, no fundo você não quer igualdade. Se você quer verdadeiramente a igualdade, tem que tratar as pessoas diferentemente a partir de suas necessidades – aí você vai produzir alguma igualdade. Discriminação Positiva é uma expressão ruim, pois, a rigor, toda discriminação é ruim. Mas se a discriminação é momentânea e tem como intenção terminar com as desigualdades, eu a considero, positiva.
 O sistema de cotas não poderá vir a incentivar a discriminação entre os alunos?
                    Eu assumo a minha culpa nisto por ser um militante do movimento negro. Eu tinha que capacitar o negro a responder o seguinte para os colegas brancos: “eu só entrei na universidade dessa forma porque o seu tetravô escravizou o meu, mas o meu bisneto vai entrar de forma diferente”.Alguém já me perguntou: será que um engenheiro que entrou pela política de cotas é tão engenheiro quanto o outro? Ora, depois que entra na faculdade você tem de passar por cinco anos de curso, tem trabalhos, tem que ter um volume de freqüência tem que tirar notas mínimas...quando você conclui, lá na frente, é um engenheiro sim. Nos EUA, foi feita uma pesquisa com os alunos negros que tinham utilizado políticas de cotas para ingressar em universidades de ponta como Columbia, Harvard, Stanford, NYU, Berkeley... Como era previsível, a pesquisa revelou que a grande maioria dos negros entrou com média inferior a dos brancos. Ao longo do curso, também obtiveram notas em média inferiores às dos brancos. Mas depois, provavelmente estimulada por uma auto-estima nova que conquistaram, a maioria foi fazer curso de mestrado e doutorado, na mesma proporção que os brancos. Em áreas mais sofisticadas na cultura americana, como Direito e Medicina, os negros chegaram a superar os brancos em proporção nos cursos de mestrado e doutorado. E estas pessoas, na sua quase totalidade, depois foram desempenhar algum trabalho junto à comunidade. São negras e negros que passaram por universidades de ponta, fizeram um ensino de excelência e não ficaram cuidando de suas vidinhas, trabalhando em Wall Street e ganhando seu dinheiro. São pessoas que deram retorno para a comunidade, tornaram-se lideranças importantes. Isso é fantástico. O conceito de inteligência e de produção de conhecimento passa por aí. Não quero formar pessoas com mérito estrita e rigorosamente egoístas, para construir essa sociedade que nós temos no mundo. Peço que a sociedade brasileira entenda que estas políticas não beneficiam os negros, essas políticas beneficiam ao país.

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iDcionário Aulete

A principal função da educação é seu caráter libertador.

Educar não é repassar informações, mas criar um patrimônio pessoal.